Você tem precatórios a receber do governo? PEC 66 é má notícia

Enquanto o público se ocupa de Trump, Bolsonaros, Moraes e agora Dino, o Congresso aproveita a porteira escancarada para passar uma boiada colossal por cima dos credores do Estado. Está muito perto de aprovar mais uma emenda constitucional para alterar as regras do pagamento de precatórios – e novamente em benefício dos governos que devem a cidadãos e empresas.

Se você tem dinheiro a receber, sinto muito. Se o devedor for um estado ou município, lamento mais ainda.

“Muitos morreram e muitos outros vão morrer na fila dos precatórios. Muitas empresas quebraram e outras vão quebrar na fila dos precatórios”, resume o presidente da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Paraná), Luiz Fernando Casagrande Pereira.

A PEC 66/2023 está na pauta desta quarta-feira (20) do Senado. Já passou pela Câmara e recebeu o aval dos senadores em primeiro turno, por placar elástico: 62 votos a favor dos governos e 4 em prol dos credores. Falta apenas a votação em segundo turno e a posterior promulgação pelo Congresso.

Será a oitava vez desde 2000 que o Congresso altera a Constituição para facilitar a vida de quem deve precatórios. Já houve emendas constitucionais “do calote” antes, mas a nova ofensiva vai além ao permitir o que especialistas definem como “calote perpétuo”.

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Para quem não está familiarizado, precatório é dívida do Estado decorrente de decisão judicial transitada em julgado, contra a qual já não sabe recurso.

Se ele existe, é porque um município ou estado ou a União não pagou o que devia, e no momento devido, a uma pessoa ou empresa. Aí entra de tudo: gratificação, diferença em aposentadoria, serviço prestado, material fornecido, tributo cobrado a mais, indenização ou desapropriação abaixo do valor justo etc.

O credor então recorreu à Justiça e ganhou em todas as instâncias – e você sabe, ou imagina, o quanto isso demora. Uma vez finalizado o processo, o Judiciário emite um ofício que determina o pagamento dessa dívida: o precatório.

Pela redação original da Constituição, o precatório emitido até 1.º de julho deveria ser pago no ano seguinte. Boa parte dos estados e municípios não cumpriram a regra, e aí começou a folia: parcelamentos, novos índices de correção, alargamento de prazos, tetos de pagamento anual.

Em diferentes julgamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou parte dessas manobras. No mais das vezes, com modulações e prazos de adaptação – do contrário, viria o caos, alegam sempre os devedores.

Mas eles nunca estão satisfeitos, como prova a PEC 66.

A proposta rebaixa o índice de atualização e juros dos precatórios. Em vez da taxa Selic, hoje em 15% ao ano, eles passam a ser corrigidos por IPCA (índice oficial de inflação) mais 2% ao ano – a não ser que a Selic caia abaixo disso, o que é improvável. A nova correção vale para todas as esferas: municípios, estados e União.

Haverá, portanto, uma distinção importante. Se você deve ao Estado, paga Selic. Mas se é o Estado que deve a você, ele pagará menos.

O relator da PEC no Senado é Jaques Wagner (PT-BA), que também é líder do governo na Casa. Ele escreveu que a fixação desse índice “é uma importante conquista para a administração pública brasileira, pois garante que as dívidas com precatórios não cresçam de maneira exorbitante e comprimam, cada dia mais, os orçamentos de áreas prioritárias para a população”.

Esse não é o único favor do Congresso aos governos.

O federal foi agraciado com a retirada dos precatórios do limite de gastos do arcabouço fiscal. Além disso, essas despesas não serão contabilizadas para a meta de resultado primário em 2026, e nos anos seguintes serão incorporadas à meta aos pouquinhos, à razão de 10% ao ano. Isso significa que o governo poderá ocupar as lacunas com outros gastos. De todo modo, ele continua obrigado a pagar os precatórios no ano seguinte à emissão, desde que ela ocorra até 2 de abril.

Para estados e municípios, a lógica será outra. Eles serão autorizados a pagar, a cada ano, o equivalente a uma fração de sua receita corrente líquida (RCL), a depender do tamanho da dívida. Esse teto de pagamento parte de 1% da RCL e pode chegar a 5% nos casos mais graves. Não haverá prazo para a quitação.

“A dívida de caráter perpétuo, longe de representar apenas um atraso no
cumprimento da obrigação, converte o credor em titular de um direito formalmente reconhecido, mas materialmente inexigível – uma espécie de crédito-fantasma”, apontam os advogados Rodrigo Luís Kanayama e Egon Bockmann Moreira em parecer encomendado pela OAB.

Em boa parte dos casos, estados e municípios serão autorizados a gastar menos com precatórios do que hoje. A questão é que não existe apenas um estoque de dívidas judiciais a pagar; todo ano são inscritos novos débitos. Vai se formar, portanto, uma bola de neve. Ao mesmo tempo em que os credores vão demorar mais a receber, a dívida vai se agigantar, o que significa transferir às futuras gerações de contribuintes o ônus do serviço dessa dívida eterna.

Simulações feitas pela OAB-Paraná indicam que, com as novas regras, o estoque de dívidas de precatórios de 22 estados vai triplicar em uma década, saltando dos atuais R$ 122 bilhões para R$ 383 bilhões em 2036.

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